Baixe ebook da apostila do IV Curso Livre Marx Engels!

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Começa hoje o IV Curso Livre Marx Engels! Quem ainda não tiver se inscrito pode comparecer ao Teatro Paulo Autran a partir das 14h e pagar o valor simbólico de R$10 (para todas as 8 aulas do curso), com direito a apostila e certificado! Após o término da primeira aula, haverá sessão de autógrafos de lançamento de Estado e forma política, de Alysson Mascaro.

Para fazer download gratuito da apostila do curso em formato PDF, clique aqui!

Com curadoria de José Paulo Netto (UFRJ), um dos maiores especialistas em Marx, as aulas do IV Curso Livre Marx-Engels serão ministradas por alguns dos principais nomes do marxismo brasileiro (confira a programação completa abaixo). Diferentemente dos cursos anteriores, que tiveram aulas organizadas por livros, essa edição contará com uma apresentação temática e cronológica do pensamento crítico de Karl Marx e Friedrich Engels.

As três primeiras edições do Curso Livre Marx-Engels (realizadas respectivamente na PUC-SP, na UERJ e no Sindicato dos Bancários de São Paulo) contaram com mais de 3 mil alunos e homenagearam os grandes intelectuais marxistas Jacob Gorender, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho. Desta vez o escolhido foi o sociólogo Francisco de Oliveira, professor titular aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor de extensa obra, da qual destacamos Noiva da revolução: elegia para uma re(li)gião (Boitempo, 2008) e Crítica à razão dualista: o ornitorrinco (São Paulo, Boitempo, 2003)

Confira as gravações integrais da primeira (2008) e terceira (2012) edições do Curso Livre Marx Engels clicando aqui.

PROGRAMAÇÃO

07/05
15h30 | Aula 01 | A crítica do Estado e do direito: forma política e forma jurídica
Com Alysson Mascaro (USP/Mackenzie).

19h00 | Aula 02 | A crítica ao idealismo: política e ideologia
Com Antonio Rago (PUC-SP).

08/05
15h30 | Aula 03 | A relevância e atualidade do Manifesto Comunista
Com José Paulo Netto (UFRJ).

19h00 | Aula 04 | Análises concretas da luta de classes
Com Osvaldo Coggiola (USP).

14/05
15h30 | Aula 05 | A constituição do proletariado e sua práxis revolucionária
Com Ricardo Antunes (Unicamp).

19h00 | Aula 06 | A crítica ontológica do capitalismo
Com Mario Duayer (UERJ).

15/05
15h30 | Aula 07 | Crítica da economia política
Com Jorge Grespan (USP).

19h00 | Aula 08 | Democracia, trabalho e socialismo
Com Ruy Braga (USP).

DÚVIDAS?

Entre em contato com a equipe de inscrições pelo e-mail marx@boitempoeditorial.com.br ou pelo telefone (11) 94135-7111.

Žižek, um sintoma social

Talvez mais assistido que lido, o filósofo esloveno Slavoj Žižek faz conexões complexas sobre o mundo atual ao mesmo tempo em que se configura como um filósofo pop

Em uma sala de espera, pequenos grupos conversam em voz baixa enquanto aguardam o entrevistado. O clima intimista introvertido segue tranquilo até que dá lugar a uma sequência de gestos, piadas, gargalhadas, comentários irônicos e inúmeras referências a gulags e a Stalin: Slavoj Žižek havia entrado no recinto.

O filósofo esloveno ganhou projeção internacional em 1989, com o livro Eles não sabem o que fazem – o sublime objeto da ideologia (Jorge Zahar editor), no qual amarra os conceitos kantianos, freudianos e marxistas em uma tentativa de explicar a ideologia como estruturante inconsciente em uma época que se diz pós-ideológica. De lá para cá, foram muitos os lançamentos traduzidos para o português, com destaque para Bem-vindo ao deserto do real, A visão em paralaxe e Vivendo nos fins dos tempos, todos pela Boitempo.

“Acho que o sucesso de Chávez, no sentido de ele ser um tipo de representante emblemático, não vinha tanto do resultado de seu carisma, mas sim do fato de ele ter dinheiro.”

Falar apenas dos livros de Žižek talvez seja ignorar grande parte de sua “obra”, que se compõe por inúmeras outras inserções midiáticas. O pesquisador sênior da Universidade de Liubliana encabeça a corrente de filósofos “pop” da era da internet e é possível que tenha sido mais assistido em vídeos pela rede do que lido de fato. Para se ter uma ideia de quão longe vai sua exposição, o pensador protagoniza ao menos seis documentários, sendo que dois são focados exclusivamente em sua vida e obra. Além disso, no início de 2013, a londrina Royal Opera House, uma das maiores casas de ópera do mundo, anunciou que nada menos do que quatro novas óperas estão sendo escritas a partir das ideias de Žižek. Como se não bastasse, talvez seja bom lembrar que ele já foi candidato à presidência da Eslovênia, em 1990, e que há uma banda argentina chamada Žižek em sua homenagem.

Seria difícil explicar o porquê da ascensão tão rápida do esloveno ao panteão dos filósofos mais relevantes do século XXI. No início, sua obra cheia de provocações e termos politicamente incorretos era lida como uma acusação “fanfarrona” ao capitalismo vinda da visão comunista de um excêntrico europeu oriental. Porém, ao indicar a cultura pop como chave para o desvelamento da ideologia de uma era neoliberal, que se dizia a-histórica, Žižek pode ter rompido uma brecha na aceitação puramente economicista da realidade que reinava tacitamente desde Margareth Tatcher. As crises financeiras que sucederam a relativa bonança neoliberal dos países desenvolvidos serviram para tornar ainda mais atraente a bússola interpretativa que ele propunha.

O absurdo irracional da pulsão, da ideologia e mesmo da realidade é proclamado por Žižek por meio do cruzamento de conceitos oriundos do idealismo alemão de Kant e Hegel com a Sociologia de Marx e a Psicanálise lacaniana. Faz isso sempre ligando conceitos filosóficos dos mais intrincados a fenômenos da cultura pop, que por sua vez explicam acontecimentos sociais. Dessa forma, o último filme de Batman é lido como uma resposta cheia de ansiedade contra o movimento Ocupe Wall Street, que por sua vez remete à comuna de Paris, assim como o personagem da Dreamworks Kung-fu Panda serve como figura emblemática da ideologia capitalista atual. Suas ideias ignoram as divisões entre alta e baixa cultura, assim como seus trejeitos ignoram o decoro, por vezes excessivo, da posição de catedrático.

O filósofo esloveno visitou o Brasil em março para lançar seu novo livro, segundo alguns sua obra máxima, Menos que nada, pela Boitempo Editorial, e participar do Seminário Marx: a criação destruidora. Após a participação em um programa de TV, concedeu alguns minutos de entrevista à Revista Filosofia. Žižek falou de Chávez, do Bolsa Família e do projeto de novos livros.

*

Você havia dito que os novos líderes progressistas da América Latina não criaram nada de novo que possa servir como um modelo para o mundo. Quem você acha que pode ser um substituto de Chávez, na América Latina?

Eu vou dizer algo que vocês provavelmente não vão gostar. Acho que o sucesso de Chávez, no sentido de que ele era um tipo de representante emblemático, não vinha tanto do resultado de seu carisma, mas sim do fato de que ele tinha dinheiro. Ele apoiava a todos. Como Linera [Alvaro Garcia Linera, vice-presidente da Bolívia] me disse: “Tive meus problemas com Chávez, mas ele nos dá 300 milhões por mês”. Claro que não estou dizendo que isso é ruim. Graças a Deus ele estava fazendo isso com o dinheiro em vez de outra coisa. O que quero dizer é que todas essas comunidades locais e autônomas criadas no governo Chávez precisam de uma ordem, uma referência universal que é suprida pelo Estado. E eu não vejo nenhuma outra alternativa aqui. Essa é a questão marxista básica: temos alguma ideia de uma organização em larga escala que pode substituir o Estado da forma que é hoje? A resposta de Negri [Antonio Negri, sociólogo marxista italiano] é: “as multidões irão gradualmente crescer e tomar o poder”. Bom, eu não acredito nisso. O próprio Michael Hardt [filósofo político norte-americano coautor com Antonio Negri do livro Império] admitiu que quase via essa questão como um problema insolúvel. Em algum momento é possível que tenhamos de tomar grandes decisões. Eu uso este exemplo: imagine que o terremoto que atingiu Fukushima tivesse sido um pouco mais forte e toda a parte norte do Japão se tornasse inabitável; então teríamos que deslocar cerca de 100 milhões de pessoas para outras regiões. Como isso seria feito? Quem decidiria isso? Outro exemplo: com as recentes tendências geoclimáticas, grande parte da África central está cada vez mais árida. Por outro lado, partes do norte siberiano hoje congeladas estão começando a derreter por causa do aquecimento global.

O ex-presidente russo Vladimir Putin disse que esse processo seria bom para a Rússia, pois isso criaria terras cultiváveis.

Sim! Mas, novamente, quem decidirá? Algumas pessoas dizem que há um acordo secreto entre China e Rússia. Eu não acredito nisso, por conta do processo de desertificação ocorrendo na China. Hoje já há cerca de 2 milhões de chineses vivendo na Rússia logo acima da China.Então, como regulamos todos esses megaprojetos? Já há quem pense na ideia muito arriscada da chamada geoengenharia. Eles têm essa ideia maluca de que se você dispersar pelos céus alguns metais isso pode diminuir a temperatura global. Ok, mas esses são eventos potencialmente catastróficos. Novamente, quem irá decidi-los? Existe ainda a ideia de que necessitamos de eleições de nível mundial. Quando eu estava nos EUA, havia um casal que me perguntou qual seria, politicamente, a melhor coisa para os norte- -americanos fazerem. Eu disse que a melhor coisa a fazer era deixar o resto do mundo votar nas eleições dos Estados Unidos, exceto os norte-americanos. Compreende? Não podemos conceber um processo eleitoral confiável sendo feito no mundo inteiro. Algumas pessoas pensam que precisaremos de um governo mundial e, portanto de eleições mundiais. Mas há certas limitações com esses planos. Essas questões não são abstratas, nós as enfrentaremos.

Em uma palestra anterior você disse que não via programas de distribuição de renda como o Bolsa Família ou, mais utopicamente, o Renda Mínima como formas efetivas de solução para as desigualdades geradas pelo capitalismo. No entanto, esses programas parecem funcionar, até certo ponto, aqui no Brasil.

Claro que isso é melhor do que nada. Meu pensamento sobre isso é que, se funcionar, então deveríamos abandonar totalmente o marxismo. Porque se você mantém o pensamento clássico marxista, isso quer dizer que aqueles que trabalham devem ser tão explorados que sustentam não apenas os ricos, mas também todos aqueles que não trabalham.

Aí está o problema. Estamos produzindo excessivamente, mas milhões de pessoas continuam morrendo de fome, talvez mais do que nunca. Se (os programas de distribuição de renda) funcionassem, seria maravilhoso. Mas eu duvido que daí saia algo mais do que o velho Estado de Bem-Estar Social, talvez um pouco radicalizado. Isso basicamente mantém o sistema capitalista. O que me pergunto é: até que ponto mesmo o Brasil poderia fazer isso no mercado mundial? Por exemplo, pegue um país desenvolvido. Para distribuir renda ele terá que aumentar os impostos. Se aumenta os impostos, como competir com os chineses? Acredito que para essa solução dar certo deveria haver algumas mudanças radicais no mercado global. E não se pode retirar a competição do jogo porque sem competição o capitalismo não funciona, torna-se extremamente corrupto e improdutivo. Então, esse é o paradoxo do norte-americano de direita que reclama da terceirização de serviços e dos trabalhadores baratos, mas, todavia, gosta de comprar sua TV de tela plana produzida num gulag [campo de trabalhos forçados] chinês por 300 dólares. Sabe, você tem que decidir! O governo chinês anunciou que perceberam que estavam muito dependentes das exportações para o Ocidente e que isso fazia da sua economia frágil. Então, acredito que, por razões puramente econômicas, não porque de repente eles descobriram os interesses dos trabalhadores, o governo agora está pressionando por salários maiores. Eles perceberam que não podem apenas depender de exportações e precisam também de um mercado interno. Essa para mim é uma questão crucial nesse nível e me pergunto o que vai acontecer quando os salários chineses subirem.

Se o Bolsa Família funcionar, podemos abandonar o marxismo. Porque quer dizer que os que trabalham devem ser tão explorados que sustentarão não só os ricos, mas também os que não trabalham.

Quem recebe os impostos pelo uso do solo no Brasil?

O governo federal.

Sabe, os primeiros modelos de Renda Básica vêm dos índios americanos, eles odeiam ser chamados de nativos, e de canadenses que alugam suas terras. Algumas tribos são muito inteligentes, investem o dinheiro, abrem cassinos e cuidam para que todos recebam Saúde, Educação etc. No entanto, apenas 10% das tribos são tão sortudas. As outras ainda vivem sob um desespero extremo. Em sua maioria, os índios americanos são uma nação falida, de uma certa forma muito mais do que os negros, nos índices de alcoolismo, consumo de drogas, Educação etc. Assim também como no Canadá. Os canadenses gostam de se gabar “somos mais humanos do que os EUA”. Atualmente, nas comunidades indígenas do Canadá, cerca de 50% das crianças são retiradas de suas famílias sob o argumento de que as famílias abusam do álcool e de drogas, e postas em orfanatos controlados pelo Estado? Mas eles não deixam os índios administrarem os orfanatos, isso é feito pelos brancos. E essas são estatísticas oficiais da província de Vancouver.

E o governo canadense gosta de se desculpar por erros do passado.

Sim, primeiro você mata a todos e depois pede desculpas. No norte da província de Alberta, os índios estão morrendo sistematicamente de câncer e ninguém liga. Sabe qual é o percentual de abuso sexual nesses orfanatos? 80%! É um inferno! E isso acontece no Canadá hoje em dia, não há 50 anos! Esses dados arruinaram minhas ilusões de que o Canadá é um Estados Unidos europeu civilizado. Sonho, sonho.

Como você vê o papel do discurso de neutralização – no qual não se podem usar palavras más, mas se continuam cometendo atrocidades – encontrado principalmente em discursos oficiais dos governos e instituições? Você acredita que isso possa piorar ainda mais?

Sim, de uma certa forma. Todos conhecem o exemplo ridículo (utilizado nos EUA) de, no lugar de tortura, você dizer “técnica de interrogação intensificada”. Então eu propus para a revista Guardian o seguinte: por que, então, no lugar de dizermos estupro, não dizemos “técnica de sedução intensificada?”. Censuraram essa parte, era demais para eles. Mas o que é crucial observarmos é que a neutralização em palavras abre espaço para uma violência real muito mais forte. Não serei hipócrita aqui; talvez se estivesse em uma situação de puro desespero, eu pudesse torturar alguém. Mas ao menos isso carregaria um nome brutal, para que se tenha consciência do que se está fazendo. O horror é essa neutralização quase administrativa. E, sim, a tendência é piorar. Uma das coisas que me preocupam é que estamos cada vez mais nos aproximando de uma sociedade de apartheid na qual aqueles que estão dentro serão protegidos por todas essas regras politicamente corretas, como nos Estados Unidos, do tipo: eu olho dentro de seus olhos, “estupro visual”, eu converso com você, “estupro verbal”, e toda essa proteção total. Porém, ao mesmo tempo, talvez até na mesma sociedade, ou com aqueles excluídos, haverá a mais absurda explosão de violência real que se possa imaginar.

O Japão é um caso extremamente interessante de como um país foi modernizado e como essa modernização envolveu ao mesmo tempo um tipo de restauração ideológica

Você diz em um de seus livros que a sociedade de consumo vive em uma era de ideologia autoirônica, que não parece ideologia porque ri de si mesma, mas, e por causa disso, funciona muito eficientemente como ideologia. Ao mesmo tempo, há uma grande parcela da população que vive sob a égide de uma ideologia explícita e de núcleo duro, como a Religião. Como os dois discursos colidem?

Eles colidem, mas são dois lados da mesma moeda. Essa ideologia ultrairônica e o fundamentalismo religioso estão produzindo um tipo de rotatória. Acho imprescindível vermos o fundamentalismo atual não como um remanescente de algum passado primitivo, mas como um fenômeno genuinamente pós-moderno. Por isso eu citei no meu livro A visão em paralaxe um outro livro maravilhoso do historiador de esquerda Thomas Frank, chamado Whatever happened to Kansas. Nele, Frank demonstra como o estado norte-americano do Kansas, que era o mais progressista dos EUA em se tratando das lutas sociais abolicionistas, sindicais etc., transformou-se nos últimos 50 anos no pior Bible Belt [cinturão bíblico, denominação que indica regiões dos EUA dominadas pelo pensamento cristão protestante radical]. Portanto, não podemos nos esquecer disso. Costumamos falar do fundamentalismo islâmico, mas pegue o percentual de fundamentalistas islâmicos e compare com o número de fundamentalistas cristãos nos EUA. Você verá que há hoje nos Estados Unidos cerca de 2 milhões de cristãos fundamentalistas considerados perigosos e vigiados pelo FBI. Todas aquelas milícias malucas de Nevada. Eu gosto de alguns deles porque são loucos! Eu conheci alguns no alto Missoula (no estado de Montana). Eles são um secto com dupla origem e têm uma teoria linda de que Eva estava transando com dois homens ao mesmo tempo. Ela transou com Adão e de lá surgiram as pessoas brancas, e ela também transou com o demônio, e dessa relação surgiram os negros e os judeus! O que me fascina nesses casos é que esse tipo de coisa está surgindo hoje em dia. Há algo no capitalismo atual que permite esse tipo de pensamento. Um bom exemplo é algo que ocorreu aqui. Alguém me deu um livro maravilhoso (Corações sujos, de Fernando Morais) sobre o que aconteceu com a colônia japonesa no Brasil. Muitos dos homens diziam que o Japão na verdade havia vencido a guerra e que as notícias anunciando o contrário eram parte da propaganda de guerra sul-americana. Eles até falsificaram alguns jornais. Para mim, esse é o mistério da crença. Os que fizeram as adulterações sabiam que era tudo falso e, apesar disso, estavam lutando por isso, preparados até para morrer pela causa. Isso não é algo “daqueles japoneses primitivos”. O Japão é para mim um caso extremamente interessante de como um país foi profundamente modernizado e como a modernização do Japão envolveu ao mesmo tempo um tipo de restauração ideológica. É um exemplo muito bom do autoritarismo moderno, muito melhor do que qualquer país da Europa.

O que você faria se fosse convidado a escrever um romance?

Eu fui tentado, mas não sou um escritor bom o suficiente a escrever o que eles chamam hoje em dia de romance de detetive literário. Há um escritor norte-americano muito bom, cuja trama do livro é a de que há uma peça desconhecida de Shakespeare que incita a revolta contra a rainha Elisabeth e até hoje pessoas são mortas por causa dela. Em A visão em paralaxe incluí uma notícia completamente maluca na qual um homem dizia que Walter Benjamin não havia se suicidado, mas tinha sido morto porque a polícia stalinista havia descoberto que ele tinha transformado sua tese de história em uma ampla crítica ao stalinismo. Eles queriam impedir sua publicação, então tiveram que matar Benjamin. Minha ideia seria: e se Hegel não tivesse morrido relativamente cedo, com 50 ou 60 anos, e um agente descobrisse que o velho Hegel tivesse escrito “talvez não precisemos da revolução francesa…” etc. Eu escreveria uma série de suspenses históricos protagonizados por filósofos. Uma outra ideia é reescrever o universo de Guerra nas estrelas, mas por uma releitura maoísta. E se os jedis fossem, na verdade, reacionários feudais e o imperador, um progressista tentando estabelecer um estado mais igualitário e justo? Você consegue imaginar isso? Anakin Skywalker um político burguês progressista?

*Entrevista realizada por Bruno Tripode Bartaquini para a
Revista 
Filosofia: ciência e vida

Slavoj Žižek e o capitalismo contemporâneo

Como parte do projeto Marx: a criação destruidora, a Boitempo trouxe Slavoj Žižek ao Brasil para lançar Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. Em março ele esteve em Porto Alegre, na Câmara Municipal, para apresentar a conferência “De Hegel a Marx… e de volta a Hegel! A tradição dialética em tempos de crise”. Confira a entrevista exclusiva da TV Câmara com o filósofo esloveno. A matéria foi ao ar no dia 5 de março no Jornal da Câmara.

Se inscreva no canal da Boitempo no YouTube e receba em primeira mão os vídeos do projeto Marx: a criação detruidora, e de outros debates, entrevistas e cursos promovidas pela Boitempo clicando aqui.

Multiculturalismo e capitalismo global

Slavoj Žižek diz à RB: “Todo esse debate sobre multiplicidade cultural serve para evitar abordar a real questão, que é a universalidade radical do capitalismo”

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“[…] e então eu me encontrei durante este tour no Brasil com o seu ministro das Relações Exteriores, sabe, o senhor Antonio Patriota, e não resisti a perguntar se o seu sobrenome é uma tradução da palavra em inglês patriot ou se é uma referência aos mísseis estadunidenses também chamados patriot. Eu pessoalmente prefiro que seja este o caso, porque seria pouco criativo uma autoridade de relações exteriores com tal sobrenome.”

*

Entre uma resposta e outra, o filósofo esloveno Slavoj Žižek, um verdadeiro fenômeno midiático das ciências humanas, gosta de contar anedotas sobre o cotidiano, mesmo de encontros com autoridades governamentais. Parece querer, propositalmente, evidenciar o fundamento de algumas críticas que recebe por seu comportamento pouco ortodoxo no mundo, quase sempre tão sério, da intelectualidade. Na realidade, com a coleção de críticas e de “inimigos”, de esquerda e de direita, Žižek parece que vai se divertindo. Abertamente, ele faz com que a contradição o favoreça aplicando um estilo “falem mal, mas falem de mim”. Žižek concedeu entrevista à Retrato do Brasil em março, no Recife, durante sua participação no seminário internacional Marx: a criação destruidora.

O encontro foi organizado pela editora Boitempo, responsável pela edição de seus livros no Brasil, em parceria com o projeto ArtFliporto, da Festa Literária Internacional de Pernambuco. A Boitempo fez o lançamento do último livro de Žižek no País, Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético (2013). Desculpando-se duas ou três vezes por falar muito, inclusive comparando-se a Fidel Castro (“é a única coisa que me une a Fidel, nós dois falamos demais!”), Žižek discursa com a fluidez de quem já sabe de cor como agir, com parênteses dentro de parênteses, emendando as frases de forma a criar um labirinto do qual muitas vezes nem ele mesmo sabe o caminho de volta. O que não reduz seu brilhantismo e, na verdade, acaba tendo um papel na construção de sua fama e lhe serve para afirmar-se como um “hegeliano sofista, que sempre acha uma saída”. É o que diríamos ser parte do show de Žižek, que assim, aos 64 anos, segue atingindo desde a mais alta academia até auditórios lotados com públicos não especializados, interessados em uma reflexão crítica, muitas vezes bem-humoradas, que ele faz questão de manter como parte da performance. Eis a ironia: ele parece estar interessado na guerrilha… das ideias, é claro.

São os parâmetros morais e o discurso politicamente correto, e todo o seu multiculturalismo, que têm sido adotados pelo capitalismo global? Pois os quebre, faça chacota deles! Faça-se com que pensar seja de novo uma atividade perigosa, tal qual ironicamente o fez Friedrich Hegel (1770–1831), segundo afirma Žižek, que procura explorar essa conclusão densamente no seu último livro. No fundo, Žižek só quer ser filósofo.

*

Retrato do Brasil: A geração de inimigos a partir de suas posições e de suas opiniões na mídia parece ser algo bastante frequente...

Slavoj Žižek: Sim, sim. Eu não sou muito formal politicamente e eu gosto do que Mao Tsé-tung disse sobre ser bom ter inimigos que ataquem brutalmente. Esse é o único sinal de que você está no caminho certo. Eu fico muito preocupado quando pessoas que eu considero inimigas dizem: “Ah, mas ele não é totalmente maluco, talvez ele tenha razão nesse ponto”. Aí é quando eu digo: “Opa, o que eu fiz de errado?”. (risos)

RB Você se considera um anticapitalista ou um comunista?

(Longa pausa) Eu prefiro ser um comunista. Porque o anticapitalismo hoje, como eu já desenvolvi em outros livros, é um falso anticapitalismo. Está presente na nossa mídia, na Europa e nos Estados Unidos, certo anticapitalismo ético, como podemos chamá-lo, que é hoje quase um lugar-comum. Há esse paradoxo de o anticapitalismo ser a ideologia dominante do próprio capitalismo, mas o que mais vemos na mídia atualmente? O grande capital envolvido em desastres ecológicos, banqueiros corruptos, especulação financeira destruindo a vida de milhões de pessoas. Esse capitalismo moralista não se questiona enquanto sistema, permitindo que qualquer um possa se dizer anticapitalista. Questionar o problema moral, e não o sistema, foi a primeira coisa que o Vaticano fez, por exemplo, quando a crise de 2008 explodiu. Lembra-se de Bernard Madoff [investidor dos EUA envolvido num grande escândalo com repercussões internacionais e pelo qual foi condenado em 2008]? Eu quis – mas não o fiz porque seria muito maluco até mesmo para o meu gosto – escrever um texto defendendo-o. Claro, ele é desprezível, mas vamos tentar não focá-lo enquanto um indivíduo corrupto. Ele apenas trouxe alguma lógica, um sinal dos tempos. Afinal, ele era um grande humanista, que não vivia de forma ostentatória e financiava não sei quantas instituições de educação e de saúde para os pobres e bláblá-blá. Vê o que eu quero dizer? Madoff era o sistema na sua forma mais radical.

Voltando às criticas que você recebe…

Claro, nós podemos falar sobre isso durante uma semana. A última é que no meu país eu apoio programas racistas contra imigrantes.

Mas há fundamento nas críticas sobre seu eurocentrismo?

Aqui não se trata de dizer se a Europa deve ser líder ou não, como tentam fazer a questão parecer. Atualmente, quando a Europa está obviamente se perdendo, bem, sejamos francos, nos perguntamos: perdendo o quê? De que crise estamos falando? O capitalismo global não está em crise, ele está explorando mais do que nunca…

Não está em crise? Isso não é contraditório até mesmo com as suas posições em livros anteriores, como o Vivendo no fim dos tempos?

Ah, não, não. Nesse ponto, você sabe, eu sou um hegeliano sofista, eu sempre encontro uma saída. Nunca conseguem me pegar [risos]. Bem, falando sério… Eu lamento, mas não é tanto uma questão de eurocentrismo, mas dos limites do multiculturalismo dentro do capitalismo global. O capitalismo é transcultural atualmente, não se pode relativizá-lo culturalmente. Eu não acredito na bobagem de múltiplas modernidades: latino-americana, europeia ocidental, chinesa. Claro que há diferenças, mas todas funcionam dentro do mesmo mercado global. Alain Badiou descreve elegantemente que o capitalismo já não é de uma cultura específica, mas uma espécie de mecanismo formal universal para a circulação do capital e que funciona igualmente em diferentes contextos. Nesse sentido ele é efetivamente universal. A mágica do capitalismo é que o que importa é o processo objetivo da troca. Percebe o que estou tentando dizer? Todo esse debate sobre multiplicidade cultural serve para evitar abordar a real questão, que é a universalidade radical do capitalismo. É por isso que eu, com frequência, enfatizo que o multiculturalismo é a ideologia do capitalismo global. Parece-me que os pensadores pós-coloniais que repetem que o capitalismo global apenas quer que assistamos a filmes de Hollywood e comamos hambúrgueres estão errados. Até no imperialismo o capitalismo era multicultural. Os colonizadores britânicos na Índia tinham como um dos seus principais receios que os indianos se tornassem como eles. Eles chegaram a reorganizar alguns textos da Índia antiga, oferecendo aos indianos uma tradição hindu ancestral identitária. Não é um lindo paradoxo?

E quais são as razões, neste contexto atual, para escrever um livro inteiro sobre Hegel?

São razões imanentemente filosóficas. Hoje, com o desenvolvimento das neurociências, há cientistas que nos dizem que a filosofia está acabada, como Stephen Hawking, que provavelmente é ótimo no seu campo da física, mas sobre filosofia deveria ficar calado. Ele afirma no seu último livro que aquilo que já foram questões filosóficas, tais como se possuímos livre-arbítrio ou se o universo tem um começo, são hoje questões científicas empíricas. Física quântica e cosmologia poderão nos responder sobre isso.

E de outro lado, os estudos culturais – desde Michel Foucault, com sua análise do discurso, até Heidegger – conformam uma abordagem hermenêutica, isto é, na qual a dimensão ontológica está suspensa. Por exemplo, imagine que nós perguntemos o seguinte a algum discípulo de Foucault: Eu tenho uma alma imortal? Ele não irá responder a você diretamente, mas diria algo como: “Primeiro, nós precisamos esclarecer dentro de que espaço ou discurso nós podemos fazer esse questionamento”. Ou seja, a questão da verdade desaparece e a última coisa a que nos resta referir é o horizonte histórico de significado. Eu acho que nós devemos dar um passo à frente, ou para atrás, em direção, inocentemente falando, à grande questão ontológica. Estou a favor do retorno da filosofia.

Sobre a nossa parte do mundo, você acha que possui autoridade intelectual suficiente para dar opiniões sobre a América Latina?

A típica percepção liberal eurocêntrica é que na América Latina, mesmo quando vocês falam sobre socialismo, há sempre uma figura carismática por trás, o que faz com que ele se caracterize como uma espécie de socialismo fascista, ou coisa do tipo. Eu acredito que a questão é muito mais ambígua e que não se deveria falar em “fascismos” ou “ditaduras” tão facilmente. Na Europa, eu vejo uma impotência teórica quando, por exemplo, as pessoas se referem à violência antimigração com um: “Oh, o fascismo está voltando”. Não. Isso é fruto da falta de novos conceitos claros, o que nos leva a pensar por associação e lembra-nos do que, nesse caso, foi o fascismo há 60 anos. Da mesma forma, sobre o chamado “capitalismo com valores asiáticos” – que eu penso ser uma expressão racista, pois não tem nada a ver com a Ásia, e sim com um novo capitalismo autoritário –, é problemático chamar-lhe de fascista. Diria que ele é uma combinação nova e única de um capitalismo forte com um Estado com um forte papel regulatório.

Certo, mas essas percepções das suas opiniões sobre a América…

Eu vou responder, apenas quero alertá-lo de que eu não pretendo ser o “sábio cara europeu” que vai querer lhe dizer a verdade sobre você mesmo. Eu não sei!

Não, não, eu não esperaria isso.

Estou lhe dizendo isso porque as pessoas me perguntam muito se eu penso isso ou aquilo sobre Hugo Chávez. Ora, dane-se! O que eu sei sobre isso é o que eu leio nessa mídia manipulada.

Mas uma das razões das críticas que você recebe é justamente suas fortes opiniões sobre Chávez…

Eu recebi muitas reações quando escrevi dizendo que há muitas coisas das quais não gosto em Chávez. Eu não estava blefando. Mas meu ponto não foi fazer graça dele. Ele nos confrontou com a busca de outras formas, com experimentos desesperados de como reorganizar a produção. E ele era capaz disso, pois podia financiar essas experiências com o dinheiro do petróleo. Mas ele, de fato, talvez fosse um tanto louco na política exterior, na cultura. Meu Deus! Ser amigo de [Aleksandr] Lukashenko [presidente de Belarus, ex-república soviética, desde 1994)! Aquele que é uma espécie de Groucho Marx no poder! Mas, ao mesmo tempo, ele dizia que, se os Estados Unidos e a Europa Ocidental o atacavam, então deveria haver algo de bom nele. Bem, eu não iria tão rápido. Nem todos que são atacados pelo centro do imperialismo são necessariamente bons. Hitler também foi atacado pelo Ocidente liberal e eu não o apoiaria! (risos)

Apesar disso, você concorda que estamos entrando num período de um mundo multicêntrico?

Eu vou dizer uma coisa horrível pela qual muitos da esquerda não gostam de mim. Talvez hoje, efetivamente, entremos nesse mundo multicêntrico passo a passo, mas não seria tempo para que aplicássemos as mesmas medidas a todas as grandes potências? Quero dizer, eu desejo todo o melhor para a China, pois é fascinante o que está acontecendo lá, mas estamos cientes de que a maneira como a China hoje intervém economicamente, especialmente na África subsaariana e nos países asiáticos, é uma brutal forma de neocolonialismo? Claro que nem sempre, pois no Congo, por exemplo, eu espero que haja êxito na participação chinesa nos projetos de unir fisicamente o país por meio de estradas de ferro e na construção de hospitais e escolas. Aliás, o seu ministro Patriota também me disse que Lula estava plenamente ciente dessa brutalidade do imperialismo econômico chinês e ficou chocado quando o descobriu.

Falando sobre o Brasil, você acredita que exista algo como um “modelo brasileiro”?

Não, eu não acho que o Brasil é um modelo universal. Eu não sou maluco como Tariq Ali, que propôs, já que a Europa está em crise, que se deveria seguir a América Latina. Mas o Brasil pode ser uma inspiração para o mundo num específico ponto. A maneira como a atual situação político-econômica nos é majoritariamente apresentada pela mídia é de que existe um capitalismo global com suas regras financeiras, e não segui-las significa o seu isolamento. O Brasil é uma prova de que as coisas não são tão simples. Muitos países que foram estúpidos o suficiente para seguir à risca as regras do Fundo Monetário Internacional simplesmente falharam. Então, mesmo que você queira obter êxito nos próprios termos do capitalismo, não deveria seguir essas regras. Claro que isso não faz do Brasil um modelo universal emancipatório, mas serve como uma boa mensagem de que as coisas, no mínimo, podem ser gerenciadas diferentemente.

*Aleksander Aguilar é jornalista e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Barcelona.

David Harvey, à Carta Maior: ‘Jogos Olímpicos têm uma longa história de desalojamento de populações’

A luz de seu novo livro, Para entender O capital (Editora Boitempo), o geógrafo David Harvey falou com exclusividade à Carta Maior sobre o histórico de desalojamento de populações e focos de resistência envolvendo megaeventos. Além disso, fez sugestões de leitura sobre a atual fase de desenvolvimento do capital.

Em virtude do lançamento de seu novo livro, Para entender O capital, o geógrafo David Harvey falou com exclusividade à Carta Maior sobre seus últimos trabalhos, o histórico de desalojamento de populações e focos de resistência envolvendo megaeventos e, entre outras coisas, fez sugestões de leitura sobre a atual fase de desenvolvimento do capital.

Convencionou-se apresentar Harvey como “um dos teóricos marxistas mais influentes da atualidade” e “o geógrafo acadêmico mais citado do mundo”. De fato, o distinguished professor da Universidade da Cidade de Nova York pode ser considerado, ao lado de Slavoj Žižek, o intelectual público marxista de maior reconhecimento internacional.

Mas enquanto o filósofo esloveno costuma ser conhecido pela fala exaltada e suas declarações extravagantes sobre a cultura, o britânico construiu sua reputação permanecendo contido e acessível. A crítica do filósofo Ruy Fausto a Žižek, de que ele seria “um perfeito representante da indústria cultural ou, mais precisamente, da grande mídia”, responsável por “momentos extraordinários de marketing”, não cabe ao lacônico David Harvey.

O livro, lançado pela Editora Boitempo, nasceu dos 40 anos de aulas sobre O Capital, de Karl Marx. A íntegra em vídeo do curso encontra-se disponível no seguinte endereço: http://davidharvey.org/reading-capital/. Há dois anos, os estudantes da Universidade da Cidade de Nova Iorque iniciaram um projeto aberto de inserção de legendas nos vídeos, que estão em processo de tradução para 37 línguas.

Além desse incansável esforço relativo à obra-prima de Karl Marx, o geógrafo é um dos grandes responsáveis pela categorização geográfica da dinâmica do capital. Sua produção bibliográfica conta com alguns escritos já clássicos, outros, também elogiadíssimos, de circulação mais modesta.

Do primeiro grupo podemos citar A produção capitalista do espaço, O novo imperialismo e Condição pós-moderna, em que é descrita a relação entre as transformações econômicas e culturais contemporâneas.

Do segundo, Paris, capital of modernity [Paris, capital da modernidade], uma análise da modernização da capital francesa conduzida pelo Barão Haussmann à época de Napoleão III lançando mão dos escritos de Flaubert, Marx e Balzac, e Rebel Cities – from the right to the city to the urban revolution [Cidades Rebeldes – do direito à cidade à revolução urbana], que identifica movimentos como a Comuna de Paris e Occupy Wall Street na chave das insurreições urbanas e percebe a urbe como principal espaço de luta pela superação do capitalismo.

A vinda de David Harvey ao Brasil faz parte do evento Marx: a criação destruidora. Em maio, um curso com curadoria de José Paulo Netto dará prosseguimento ao evento.

Ainda há vagas para o IV Curso Livre Marx Engels!

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Começa amanhã (07/05) o IV Curso Livre Marx Engels! Quem ainda não tiver se inscrito pode comparecer ao Teatro Paulo Autran a partir das 14h e pagar o valor simbólico de R$10 (para todas as 8 aulas do curso), com direito a apostila e certificado! Após o término da primeira aula, haverá sessão de autógrafos de lançamento de Estado e forma política, de Alysson Mascaro.

Com curadoria de José Paulo Netto (UFRJ), um dos maiores especialistas em Marx, as aulas do IV Curso Livre Marx-Engels serão ministradas por alguns dos principais nomes do marxismo brasileiro (confira a programação completa abaixo). Diferentemente dos cursos anteriores, que tiveram aulas organizadas por livros, essa edição contará com uma apresentação temática e cronológica do pensamento crítico de Karl Marx e Friedrich Engels.

As três primeiras edições do Curso Livre Marx-Engels (realizadas respectivamente na PUC-SP, na UERJ e no Sindicato dos Bancários de São Paulo) contaram com mais de 3 mil alunos e homenagearam os grandes intelectuais marxistas Jacob Gorender, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho. Desta vez o escolhido foi o sociólogo Francisco de Oliveira, professor titular aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor de extensa obra, da qual destacamos Noiva da revolução: elegia para uma re(li)gião (Boitempo, 2008) e Crítica à razão dualista: o ornitorrinco (São Paulo, Boitempo, 2003)

Confira as gravações integrais da primeira (2008) e terceira (2012) edições do Curso Livre Marx Engels clicando aqui.

PROGRAMAÇÃO

07/05
15h30 | Aula 01 | A crítica do Estado e do direito: forma política e forma jurídica
Com Alysson Mascaro (USP/Mackenzie).

19h00 | Aula 02 | A crítica ao idealismo: política e ideologia
Com Antonio Rago (PUC-SP).

08/05
15h30 | Aula 03 | A relevância e atualidade do Manifesto Comunista
Com José Paulo Netto (UFRJ).

19h00 | Aula 04 | Análises concretas da luta de classes
Com Osvaldo Coggiola (USP).

14/05
15h30 | Aula 05 | A constituição do proletariado e sua práxis revolucionária
Com Ricardo Antunes (Unicamp).

19h00 | Aula 06 | A crítica ontológica do capitalismo
Com Mario Duayer (UERJ).

15/05
15h30 | Aula 07 | Crítica da economia política
Com Jorge Grespan (USP).

19h00 | Aula 08 | Democracia, trabalho e socialismo
Com Ruy Braga (USP).

DÚVIDAS?

Entre em contato com a equipe de inscrições pelo e-mail marx@boitempoeditorial.com.br ou pelo telefone (11) 94135-7111.

“O capital”, por David Harvey

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Confira abaixo a entrevista concedida por David Harvey a Renato Pompeu da revista Caros Amigos, sobre seu novo livro Para entender O capital. A tradução é de Rogério Bettoni e Clarice Goulart.

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O geógrafo britânico David Harvey lança no Brasil Para entender O capital em que reúne e expande uma série de aulas on-line que obtiveram muita repercussão. Na entrevista, o geógrafo fala do novo livro e do que representa a obra de Marx para as novas gerações.

Caros Amigos – Seu livro A Companion to Marx’s ‘Capital’ recebeu em português o título Para entender O capital. Você poderia nos explicar o que pensava quando decidiu escrever esse livro? Como se deu todo o processo? Você acha que atingiu o objetivo desejado? 

David Harvey – O livro surgiu a partir das aulas que ministrei e que foram disponibilizadas online para quem quisesse assistir e escutar. A partir daí, percebi uma demanda para que eu publicasse uma versão escrita, o que acabou sendo bem mais difícil do que imaginei que seria. Então eu transcrevi as aulas, f1z algumas modificações e ampliei algumas partes que julguei necessárias; o resultado culminou no compêndio A Companion to Marx’s ‘Capital’, publicado aqui como Para entender O capital.

Eu tenho uma maneira muito particular de interpretar os textos, e por isso tentei usar a mesma abordagem ao ministrar as aulas e escrever o livro, de modo que nem todos tivessem de aceitar minha interpretação. Eu queria que o livro funcionasse como uma espécie de diálogo com o público, como uma conversa: “Olhe o que Marx está dizendo, esta é a minha interpretação, o que você acha?” Essa era a ideia inicial; se funcionou bem, não sei dizer. Só sei que o livro tem recebido críticas positivas, é evidente que está sendo usado, as aulas têm sido amplamente assistidas, e tenho encontrado pessoas que consideram o livro uma ferramenta muito útil, que impulsiona um maior entendimento dos textos de Marx.

Outro dia recebi um e-mail, por exemplo, de um senhor que deveria estar nos seus setenta anos, dizendo ter participado de movimentos políticos a vida inteira e nunca ter conseguido ler O capital de Marx, apesar de sempre ter tido vontade; agora, com a ajuda das aulas e do livro, ele finalmente conseguiu. Ele foi um sindicalista veterano que participou ativamente durante anos dos movimentos políticos na Califórnia. Está sendo uma ótima experiência, e fico muito feliz com o resultado. Espero muito que o livro funcione nesse nível.

O título em português, Para entender O capital, nos faz lembrar de um texto escrito por Lenin, em 1916, nos Cadernos Filosóficos. Cito aqui uma passagem: “Para que possamos realmente entender O capital, de Marx, e para que possamos particularmente entender seu primeiro capítulo, devemos antes ler e entender completamente A Ciência da Lógica, de Hegel. Cinquenta anos depois de Marx, nenhum marxista entendeu Marx”. Isso indica que Lenin acreditava que Engels, Kautsky, Stalin, Trotsky e Rosa Luxemburgo não entendiam as ideías de Marx por completo. Você concorda com essa afirmação de Lenin? Você já leu A Ciência da Lógica, o livro mais obscuro e indecifrável já escrito? O que tem a dizer sobre isso?

Eu discordo de Lenin. Obviamente, Marx foi influenciado por Hegel. O quanto ele foi influenciado por Hegel ao escrever O capital depende de qual parte da obra você analisar. Eu procuro ler Marx analisando apenas o texto e procuro entender o que ele estava querendo dizer. Você poderia argumentar que é preciso entender a Lógica de Hegel para entender Marx, ou que para entender Marx é preciso entender Espinoza, ou mesmo entender tantos outros grandes filósofos, algo pouco provável de acontecer, independente do caso. Eu sempre procurei começar por uma pergunta muito simples: aqui está o texto, aqui está o que ele defende, então vamos refletir sobre o que ele diz e tentar trabalhar diretamente com ele, sem tentar impor nenhum tipo de conhecimento prévio. Mas é claro que há momentos em que é preciso reconhecer o embasamento de determinada formulação. Há momentos em que acho importante reconhecer que O capital é construído como uma crítica da economia política.

Portanto, é preciso conhecer Ricardo, Adam Smith, Stuart, e todos os grandes economistas políticos porque, na verdade, tudo aconteceu de forma involuntária. Marx nunca estudou o capital de forma empírica. Ele coletou os pensamentos elaborados por economistas políticos, e a partir de um método de análise crítica, inferiu um modo diferente de como o capital funcionava. Conforme eu disse, há momentos em que é necessário saber alguma coisa sobre a origem das ideias, e de vez em quando tento indicar alguma relação, por exemplo, com Ricardo, ou se julgo que algo tenha uma relação direta e óbvia com Hegel, ou se há influências dos sociólogos franceses. Por exemplo, é preciso reconhecer que Marx estava competindo com Proudhon, e não era sempre justo com ele. Às vezes ele o ataca sem razão; em outras ocasiões é justificável. Na verdade, ele está tentando estabelecer uma linha de pensamento. Eu convido as pessoas a pensarem sobre eles e a lê-los com profundidade, assim como eu procuro fazer.

Algumas pessoas, como o professor brasileiro Alonso Barbosa de Oliveira, da Unicamp, defendem que os Grundrisse, de Marx, publicados na década de 1930 (material este que nunca chegou a ser lido por Lenin) substitui com vantagem A Ciência da Lógica, uma vez que os Grundrisse abordam de maneira mais clara tudo que era importante em Hegel. Paradoxalmente, há, hoje em dia, uma quantidade maior de pessoas que entendem Marx melhor do que nos dias de glória do marxismo. Você concorda com essa afirmação?

Eu simplesmente diria que os Grundrisse de Marx, são uma fonte magnífica, mas, ao mesmo tempo, extremamente difícil de se lidar. Note-se que, em certas ocasiões, Marx claramente se baseia em formulações hegelianas, e o interessante é que, às vezes, o próprio Marx observa que suas formulações estão muito hegelianas, e diz que precisa voltar para si mesmo novamente. Eu acho que é difícil tecer alguma conclusão mais pontual, mas é com certeza um texto muito rico e instigante. É um texto que expõe o modo como Marx pensava e percebia as coisas, e por isso concordo em dizer que foi por isso que a obra se tornou disponível para nós. Eu acho que o nosso entendimento de Marx evoluiu como consequência disso, mas mesmo que o material tenha vindo a público no final da década de 1930, só tivemos contato com a obra a partir da década de 1970, pelo menos no mundo anglo-saxônico. [10:36 “”7 10:54 – muito barulho na sala, trecho não traduzido]

Você concorda que hoje há mais pessoas que entendem melhor o pensamento marxista?

Eu realmente não sei dizer. Acho que Marx era entendido, de forma bastante ampla, por meio de representações difundidas por diferentes partidos comunistas, e por essa razão tratava-se de interpretações ortodoxas de Marx, muito presentes em países com partidos comunistas, como França e Itália, até certo ponto. Esses partidos, por sua vez, diminuíam a importância da interpretação de Marx, o que resultou em tempos difíceis, e só agora temos abordagens mais independentes, incluindo a minha, que não estão ligadas a nenhum partido especificamente, mas procuram estabelecer, como consta no livro, o recomeço de um movimento anticapitalista, a partir de uma melhor compreensão da natureza do capitalismo.

Algumas pessoas, como o filósofo marxista francês Louis Althusser, argumentam que O capital é o único texto escrito por Marx que é inteiramente válido na era contemporânea. No entanto, ele mesmo confessa ter lido somente o volume I e não conhecer os outros três volumes, incluindo a teoria da mais-valia; ou seja, concluímos que Althusser não entendia as teorias de O capital, em parte por não tê-lo lido inteiramente. O que você tem a dizer sobre isso?

Concordo plenamente com isso, eu já ouvi dizer que Althusser nunca leu o volume II. Marx afirma que o conceito válido de O capital é quando se entende a relação contraditória entre produção e realização, sendo produção o tópico abordado no volume I, e realização no volume II. Se você não entende os dois volumes, certamente não entenderá o que Marx defendia. É o mesmo que tentar escrever uma análise sobre a questão de gênero sem mencionar as mulheres. Então, se você se basear somente no volume I, terá uma visão unilateral da obra de Marx. No compêndio do volume II, que acabei de terminar, eu tento equilibrar essa visão ao sugerir que é preciso que os dois volumes sejam colocados no mesmo patamar se quisermos realmente entender a economia política de Marx.

Mesmo depois de toda sua obra, Marx afirmou, em certa ocasião, ter feito somente duas grandes descobertas: o conceito de mais-valia e a constatação que o modo de produção capitalista não é eterno. O que você pensa a respeito dessas duas considerações?

Bom, acho que ele descobriu muitas coisas importantes, mas, é verdade que a teoria da mais-valia é a ruptura com a economia política clássica, pois é construída a partir de noções completamente distintas do que é a produção. Eu acho que, às vezes, é bem difícil demonstrar para os alunos que quando Marx explicava a noção de produção, ele não estava falando de uma produção física, e sim de uma produção da mais-valia. E a mais-valia tem uma relação social, e a produção e reprodução dessa relação social são absolutamente fundamentais para a teoria social de Marx. Obviamente, Marx queria proteger o capital de teorias que buscavam a verdade eterna; uma vez que o capital tinha raízes na natureza, Marx o considerava como algo mutável, dinâmico. Assim ele defendia uma abordagem de construção histórica, e cabia ao futuro da história dizer se o capital seria algo sustentável, ou não; eterno, ou não.

Para alguns, como Engels, Marx provou com O capital que o modo de produção capitalista tinha limitações econômicas que inevitavelmente implicariam seu fim. Para outros, como Lenin, Marx provou com O capital que o modo de produção capitalista não tinha nenhuma limitação econômica, pois economicamente falando, ele é capaz de renascer após cada grande crise econômica. No entanto, Lenin acreditava que Marx havia demonstrado que o modo de produção capitalista tinha limitações que acabariam levando ao seu fim, devido à sua impossibilidade de satisfazer as aspirações políticas da população. Era preciso que uma resistência política fortemente organizada se formasse contra o modo de produção capitalista, caso contrário, mais uma vez, ele renasceria.

Na minha opinião, há três grandes contradições com as quais o capital se depara. Não tenho tanta certeza de que a primeira seja uma contradição, mas diz respeito à questão ambiental da produção. Historicamente, o capital sempre foi tido como algo sofisticado ao lidar com limitações ambientais, passando por cima delas, seja de forma tecnológica, organizacional e/ou social. Acredito que não seja algo que vá se desfazer amanhã por haver uma crise ambiental, mas acho que o que vemos hoje em dia são questões ambientais que estão se tornando cada vez mais opressoras, e o capitalismo precisa descobrir novas maneiras de abordá-as. Se ele poderá abordá-las de tal forma que consiga manter a acumulação do capital é uma pergunta ainda sem resposta. Eu tenho minhas dúvidas, e incluo aqui a questão ambiental como uma das contradições fatais.

Para mim, a segunda contradição fatal é o crescimento composto. Para Marx, o capital se resumia sempre em crescimento. Historicamente, os dados sugerem que o capitalismo tem crescido numa média de 2,25% ao ano, desde o século XIX. Isso é uma taxa composta, e como sabemos, o crescimento composto tem uma curva de crescimento exponencial; de início ela é bastante rasa, aos poucos ela cresce e atinge um ponto de curvatura logo em seguida, e depois cresce com inclinação acentuada. Atualmente, nos encontramos exatamente no ponto de inflexão. A quantidade de novas e lucrativas oportunidades de investimentos que precisamos encontrar no momento impulsiona o capitalismo algo em torno de 1, 5 trilhão de dólares. Se voltarmos a atingir com êxito a taxa de 3% de crescimento composto, significaria que quando chegarmos em 2030, atingiríamos um investimento perto de 3 trilhões de dólares. Em vinte, trinta anos, atingiríamos 60 trilhões. Vale lembrar que estamos usando o crescimento composto, e não é possível prever ameaça de crescimento. Acho que já vivenciamos nos últimos vinte, trinta anos, algumas das tensões que se originaram a partir daí. Considero também, que a passagem para o financiamento de ativos em vez de fazer e produzir coisas é uma reflexão da dificuldade de encontrar oportunidades lucrativas de investimentos. Então, considero que esta é a segunda contradição fatal que enfrentamos agora.

A terceira se aproxima um pouco do que Lenin afirmou em relação à “alienação universal” – o nível de descontentamento da população, o que prova que o capital, em vez de proporcionar felicidade para a grande massa da população, está proporcionando muito estresse e muita insatisfação. As tecnologias capitalistas estão transformando a mão de obra em algo cada vez mais redundante. Vemos situações no mundo inteiro em que a mão de obra está se tornando cada vez mais uma força de trabalho descartável. Eu adoraria presenciar uma revolta em algum momento. Para Lenin essa revolta deve ser organizada, e concordo com ele; acho que isso está entre os outros limites que tangem uma alienação universal, algo cada vez mais difícil de conter politicamente.

Lenin também escreveu que “Para que uma revolução aconteça, não basta que as classes mais baixas vivam como antes; é preciso que as classes mais altas não possam mais viver como antes”. Você acha que esse conceito nos ajuda a entender por que as pessoas estão constantemente protestando na ruas, como aconteceu com a Primavera Árabe e em tantas outras crises na Europa, na verdade sem levar a nenhuma mudança (exceto em pequenos países como Islândia e Chipre), e também sem atingir em nada a classe alta?

Penso que precisamos ter cautela para não interpretarmos erroneamente alguns do movimentos que vêm acontecendo. Não classifico, por exemplo, a grande maioria dos movimentos ligados à Primavera Árabe como movimentos anticapitalistas, e sim como movimentos pró-democratas. Há um forte elemento burguês nesses movimentos, o desejo de uma democracia burguesa e o desejo de sair da crise da democracia burguesa. Acho que o que estamos vivendo é, no entanto, o capital negando a democracia burguesa, não só em lugares nos quais havia um pertencimento ao mundo colonial do passado, mas também em países onde o governo foi derrubado, como a Grécia e Itália.

Ao impor tecnocratas, você derruba a democracia burguesa. Penso que os mal-entendidos oriundos da direita dos Estados Unidos é que eles realmente acreditam que as promessas da democracia burguesa foram destruídas por instituições como o Federal Reserve, ou pelo controle do poder do dinheiro ou do aparelho estatal. Alguns dos movimentos ao redor do mundo almejam recuperar um tipo de base democrática, e o que não estamos percebendo de forma clara é que o capitalismo é antagônico à democracia. Sempre acreditamos que o capitalismo favorece a democracia; por exemplo, a chegada do capitalismo à China signiftca que a China precisa criar uma democracia, e isto não está acontecendo. Então, o que precisamos avaliar são as associações feitas entre capital e autocracia, particularmente no que diz respeito ao aumento de uma militarização, o que entendo como uma revolta contra o fracasso de manter uma democracia burguesa, podendo assim, em algum momento, se transformar em uma revolta contra o próprio capitalismo. Ainda não chegamos lá; me parece que é o caso, por exemplo, de Chipre, onde as revoltas nas ruas não eram necessariamente contra o capital, e sim contra a gestão autocrática do capital e o fracasso de seguir as regras da democracia burguesa. Então, acho que precisamos ser cautelosos para evitar interpretar os sinais dos protestos atuais como puramente anticapitalistas. Há um desejo em favor da teoria da democracia burguesa que nunca se concretizou; os protestos se aproximam mais da linha de um capitalismo mais justo, porém não chegamos ao ponto em que as pessoas se convenceram de que o capital não consegue gerar uma democracia, ou que o capital deve gerar uma autocracia, militarização, e, por fim, um controle militar.

O que você pensa a respeito da questão em torno das revoluções atuais? Algumas pessoas acreditam que você defende que os servidores públicos são mais vanguardistas do que os operários. Está correto? O que você tem a dizer sobre isto?

Não, não são os servidores públicos que desempenham um papel mais importante. Eu acho que precisamos nos distanciar um pouco da ideia de que os operários estão no centro da vanguarda, em parte porque quando olho para algo como a Comuna de Paris, vejo que não foram os operários que a construíram, e sim os artesãos, dissidentes da burguesia, uma vasta gama de pessoas que estavam basicamente lutando para defender a ideia de uma outra cidade. Então acredito que muitos dos movimentos, historicamente falando, tiveram um caráter urbano; os movimentos ocorridos em Paris entre 1847 e 1848 foram movimentos urbanos; não foi apenas algo movido por operários. Se olharmos para a Revolução Russa, e o que podemos dizer a respeito da dimensão urbana em torno dela, é que ela foi bastante forte. Por exemplo, os protestos em São Petersburgo em 1905. Se olharmos para a América Latina, vemos eventos recentes em El Alto, na Bolívia, o que pode ser considerado como um protesto urbano, bem como eventos históricos como os de Córdoba em 1969.

Eu sempre tive a impressão de que os marxistas não prestavam atenção suficiente na organização. E se pensarmos em organização como um campo de acúmulo de capital, o que certamente é, e se pensarmos na vida urbana como o centro de economias de desapropriação, mas também de economias de exploração, eu diria que todo mundo que esteja produzindo e reproduzindo dentro da vida urbana deveria estar no centro do pensamento, e deveríamos nos perguntar como mobilizar essa parcela da população, que às vezes, se encontra nas fábricas, mas muitas vezes também se encontra entre os que estão na rua, como os motoristas de caminhão e táxi; mas, se os motoristas de caminhão e táxi fizessem greve, provavelmente a cidade pararia. E se a cidade para, o prejuízo é tão grande quanto se parássemos uma fábrica, aliás, o prejuízo é muito maior do que quando paramos uma cidade. Então se quisermos lidar com toda essa situação, por exemplo, no Rio em relação aos jogos olímpicos, é só parar a cidade.

Para mim, este ato é tão importante politicamente quanto o ato de parar uma fábrica. Desde o lançamento do meu primeiro livro sobre a cidade e a justiça social, eu sempre defendi que devemos prestar atenção nesta dimensão urbana de lutas, e muitos marxistas são relutantes em abrir mão dessa ideia uma vez que ela pertence ao partido comunista. Não sabemos se os vanguardistas da classe trabalhadora ainda estão nas fábricas. Pois as fábricas já desapareceram de grande parte do mundo; elas se mudaram para a China, Bangladesh e outros lugares do tipo, então essa teoria pode funcionar nesses lugares, mas certamente não funciona em cidades como Baltimore, Nova Iorque, Detroit; lá há outros tipos de batalhas que precisam ser travadas. Vemos pelos sinais que os protestos estão por todos os lados nas ruas. As pessoas param o funcionamento da cidade, colocam obstáculos nas ruas, tentam parar praticamente tudo. Sim, os piqueteros em Buenos Aires, por exemplo, eles pararam as ruas e este ato foi em nome do movimento político. Ou quando os motoristas de caminhão fizeram a greve contra Allende em 1973, os resultados foram muito sérios para ele. Precisamos manter os motoristas de caminhão do nosso lado.

Você, como geógrafo, discute em seus livros questões ligadas à ocupação e ao funcionamento do espaço geográfico, em particular o espaço urbano. Você conhece os trabalhos do professor brasileiro Milton Santos, que também era geógrafo, sobre essas questões? O que você conhece a respeito da cultura e política brasileira, e também das condições sociais e econômicas?

Não tenho conhecimento suficiente sobre o contexto brasileiro e suas condições. Conheço certamente os trabalhos de Milton Santos e penso que suas análises a respeito dos diferentes “circuitos do capital” foram importantes porque nos alertaram sobre a ideia de movimento contínuo do capital através de diferentes circuitos. Milton foi uma grande inspiração para muitos de nós. Em um dado momento, acho que ele decidiu que não gostava do mundo anglo-saxônico, para ele nós éramos os imperialistas, mas curiosamente ele amava a França. De alguma forma, a França não era considerada imperialista, nunca entendi como ele pôde ter essa postura. Acho que, em alguns aspectos, Milton foi uma figura negligenciada entre muitos geógrafos de esquerda.

Nós publicamos alguns de seus trabalhos no periódico Antipode nos anos 1970, que receberam certa atenção, mas não foram amplamente conhecidos como deveriam ter sido. Qual a relevância de O capital nos dias de hoje? Ele consegue nos ajudar a entender a crise capitalista global contemporânea, e de que modo ele nos ajuda a enfrentá-la? Aqui entre nós, será possível realmente entender O capital e o que precisamos fazer para tentar entendê-lo? Ler seu livro apenas?

Bem, acho que esta é uma pergunta muito interessante, e eu sempre procuro colocar para os alunos da seguinte maneira: “O que Marx tem a nos ensinar?” e “O que precisamos absorver para conseguirmos entender o que acontece ao nosso redor?”. Marx nos proporcionou alguns insights e ferramentas muito fortes para entendermos o mundo; mas se tratava de um projeto incompleto e acho que quando ele escreveu, ele o fez a partir de certas suposições que não nos ajudam muito a entender a conjuntura atual. Há muito que precisamos fazer por conta própria.

Pessoalmente, minha familiaridade com Marx tem sido extremamente útil ao escrever uma vasta gama de livros. Entre os assuntos que abordo em Condição pós-moderna, por exemplo, que é um livro bem conhecido aqui, está o conceito de compressão tempo-espaço. De onde ele vem? Do volume II de O capital. Eu não costumo citar Marx o tempo todo, algo que seria extremamente chato se eu o fizesse, as pessoas ficariam entediadas ao me escutar. Mas como eu dizia, eu não poderia ter escrito Condição pós-moderna, que é um livro bastante amplo, sem ter escrito The Limits to Capital [Os limites ao capital, Boitempo, no Prelo], que é uma análise bem atenta de Marx.

Eu não poderia ter escrito meus estudos sobre Paris, que considero muito importantes, se eu não tivesse escrito The Limits To Capital. Assim como eu não poderia ter escrito A Brief History of Neo Liberalism, se eu não tivesse trabalhado com o The Limits to Capital. Em outras palavras, temos um efeito de âncora a partir de um maior entendimento de Marx, você não sente que ele esteja amarrado em volta do seu pescoço, como se você só pudesse saber o que Marx sabia. Marx deve funcionar como uma base que nos permite tomar diferentes direções. Eu prefiro tomar a direção urbana. Marx nunca elaborou muito sobre organizaçao, e no entanto eu acho seus insights sobre arrendamento da terra e finanças simplesmente fantásticos. É preciso que as pessoas estejam preparadas para abordar seus pressupostos como base, e assim saber apreciar o que Marx pôde nos dizer, e, acima de tudo, apreciar o que ele não pôde nos dizer, e, consequentemente entender que há muito que precisamos fazer por conta própria.

Essa atitude funciona para mim perfeitamente, mas só posso afirmar isso a partir da minha experiência pessoal. Escrevo livros que têm alguma relevância para a conjuntura contemporânea, como o livro sobre neoliberalismo, e o outro sobre cidades rebeldes. E, se posso fazer isso, é devido à minha base em Marx. Esses livros foram desenvolvidos para abordar as circunstâncias contemporâneas e espero que, de alguma forma, sejam úteis para as pessoas de esquerda.

Conferência de David Harvey em Porto Alegre

O geógrafo David Harvey esteve em Porto Alegre para apresentar a conferência “Para entender O capital“, por ocasião do lançamento de seu livro homônimo. A mediação é do historiador Mathias Luce.

A conferência, ocorrida no dia 25 de março de 2013 no Teatro da Associação Médica do Rio Grande do Sul-AMRIGS, teve realização da Boitempo Editorial e da Fundação Lauro Campos, com apoio da Câmara Municipal de Porto Alegre.

Todas as atividades do projeto Marx: a criação destruidora, estão sendo gravadas e disponibilizadas no canal da Boitempo no YouTube!

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Saiba mais sobre Para entender ‘O capital, de David Harvey: http://bit.ly/10HKd7q

Saiba mais sobre a edição definitiva d’O capital, de Karl Marx: http://bit.ly/16IVpCO

Inscrições para Etapa 3 | IV Curso Livre Marx Engels

Cartaz_A3_MARX ENGELS_São Paulo.inddSÃO PAULO
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MARX: A CRIAÇÃO DESTRUIDORA
ONDE: SESC Pinheiros (Rua Paes Leme, 195 – Pinheiros – Tel. 11 3095-9400)
ETAPA 3 – IV CURSO LIVRE MARX ENGELS
Inscrições: por e-mail (até 03/05) ou nas bilheterias do SESC da cidade de São Paulo (até 05/05).
Valor simbólico de inscrição: R$10,00 (dez reais) para todo o Curso. Haverá certificado para os alunos que tiverem mais de 75% de acompanhamento.
Período de inscrições: de 22/04, às 11h até 30/04, às 12h

Estão abertas as inscrições para a Etapa 3 do projeto MARX: A Criação Destruidora em São Paulo!

Com curadoria de José Paulo Netto (UFRJ), um dos maiores especialistas em Marx, as aulas do IV Curso Livre Marx-Engels serão ministradas por alguns dos principais nomes do marxismo brasileiro (confira a programação completa abaixo). Diferentemente dos cursos anteriores, que tiveram aulas organizadas por livros, essa edição contará com uma apresentação temática e cronológica do pensamento crítico de Karl Marx e Friedrich Engels.

Alysson Leandro Mascaro (USP/Mackenzie) lançará o já aclamado livro Estado e forma política, pela Boitempo, após a apresentação de sua aula, que abre o Curso. Convidado a escrever o texto de capa, o esloveno Slavoj Žižek (que se apresentou na primeira etapa do projeto, em março) não só aceitou a missão, como encontrou o que considera “simplesmente a obra mais importante do pensamento político marxista nas últimas décadas”.

Confira as gravações integrais da primeira (2008) e terceira (2012) edições do Curso Livre Marx Engels clicando aqui.

PROGRAMAÇÃO

07/05
15h30 | Aula 01 | A crítica do Estado e direito: forma política e forma jurídica
Com Alysson Mascaro (USP/Mackenzie).

19h00 | Aula 02 | A crítica ao idealismo: política e ideologia
Com Antonio Rago (PUC-SP).

08/05
15h30 | Aula 03 | A relevância e atualidade do Manifesto Comunista
Com José Paulo Netto (UFRJ).

19h00 | Aula 04 | Análises concretas da luta de classes
Com Osvaldo Coggiola (USP).

14/05
15h30 | Aula 05 | A constituição do proletariado e sua práxis revolucionária
Com Ricardo Antunes (Unicamp).

19h00 | Aula 06 | A crítica ontológica do capitalismo
Com Mario Duayer (UERJ).

15/05
15h30 | Aula 07 | Crítica da economia política
Com Jorge Grespan (USP).

19h00 | Aula 08 | Democracia, trabalho e socialismo
Com Ruy Braga (USP).

INSCRIÇÕES

Para esta etapa, disponibilizamos duas formas de inscrição:

1) Para se inscrever pela internet, o interessado deve enviar um e-mail para marx@boitempoeditorial.com.br com NOME COMPLETO e CONTATO TELEFÔNICO (FIXO E/OU CELULAR). O assunto do e-mail deve ser “Inscrição Etapa 3”.

A produção entrará em contato em um prazo de até 48 horas, com instruções para depósito do valor simbólico de inscrição e envio do comprovante.

Importante: limite de uma inscrição por e-mail. 

2) Caso o interessado prefira não se inscrever pela internet, pode se dirigir a qualquer unidade do SESC na cidade de São Paulo e adquirir um ingresso nas bilheterias do SESC. Para esta opção, o interessado deve levar o ingresso adquirido ao SESC Pinheiros na abertura do Curso (07/05) e fornecer seu nome e e-mail, para recebimento do certificado de acompanhamento.

Importante: o período para aquisição de ingressos nas bilheterias do SESC começa hoje (22 de abril) e vai até a quarta-feira 1º de maio de 2013, ou até acabarem os ingressos.

DÚVIDAS?

Entre em contato com a equipe de inscrições pelo e-mail marx@boitempoeditorial.com.br ou pelo telefone (11) 94135-7111.

Milhares de pessoas foram ao SESC Pinheiros para acompanhar o IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital

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Ruy Braga apresenta o debate “Crítica da economia política hoje”, com Francisco de Oliveira, Leda Paulani, Paul Singer e Virgínia Fontes

Nos últimos dias 22 e 23 de março, milhares de pessoas compareceram ao SESC Pinheiros para acompanhar a programação do IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital.

Aos pregoeiros da sempre anunciada e nunca concretizada morte definitiva do marxismo, um evento com esse público representa uma pequena, modesta, mas eloquente má notícia.

David Harvey apresenta a conferência "Para entender O capital", no encerramento do IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital

David Harvey apresenta a conferência “Para entender O capital”, no encerramento do IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital

Confira as fotografias do evento na página da Boitempo no Facebook:

Debate Sobre os estudos dO capital no Brasil

Conferência Os manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels, com Michael Heinrich

Debate Marxismo brasileiro hoje

Debate Crítica da economia política hoje

Conferência Para entender O capital, com David Harvey

Michael Heinrich apresenta a conferência "Os manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels", no IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital

INSCRIÇÕES PARA ETAPA 3 COMEÇAM EM 22/04

As inscrições para a terceira e última etapa do projeto Marx: a criação destruidora – o IV Curso Livre Marx Engels – começam no dia 22 de abril, às 11h, aqui no site do projeto.

Acompanhe a conferência de David Harvey ao vivo!

TRANSMISSÃO AO VIVO_2

Acompanhe a conferência internacional “Para entender O capital“, de David Harvey ao vivo na página Boitempo ao vivo!

http://www.facebook.com/Boitempo/app_490179174363705

Ainda há vagas para a conferência de David Harvey em São Paulo!

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Ainda há vagas para a conferênia internacional “Para entender O capital, de David Harvey em São Paulo. O evento, que encerra o IV Seminário Margem Esquerda: Marx e o capital ocorre hoje às 19h no SESC Pinheiros.

As vagas remanescentes serão preenchidas por ordem de chegada no credenciamento, que já está aberto. A conferência também será projetada na praça do SESC Pinheiros e é aberta ao público.

Após a conferência, David Harvey participará de uma breve sessão de autógrafos de Para entender O capital, que a Boitempo acaba de lançar.

Conferência internacional: Para entender O capital
com David Harvey
Hoje | 23/3 | 19h | Sesc Pinheiros
Rua Pais Leme, 195 | Pinheiros | São Paulo | SP
Credenciamento a partir das 17h

Inscrições encerradas para a Etapa 2: haverá telão para debates e conferências de David Harvey e Michael Heinrich

ETAPA 2_Havera_telao_Kim_1000Nesta sexta-feira (22) e sábado (23) acontece o IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital (Etapa 2 do projeto Marx: a criação destruidora), no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros. O evento contará com as conferências internacionais de David Harvey e Michael Heinrich, além de debates com a presença de Emir Sader, Francisco de Oliveira, José Arthur Giannotti, Leda Paulani, Paul Singer, Roberto Schwarz e Virgínia Fontes, dentre outros.

As vagas do Seminário já encontram-se todas preenchidas. A atividade também será transmitida por telão, aberto ao público, na praça do Sesc Pinheiros. Todas as pessoas presentes no local poderão participar da sessão de autógrafos com David Harvey, após a conferência que encerra o Seminário. No caso de ocorrerem ausências, as vagas da conferência serão preenchidas logo no início do evento, com os interessados presentes. 

As vagas dos inscritos que foram contemplados serão garantidas apenas durante o horário de credenciamento de cada um dos dias. O credenciamento acontece na sexta-feira, 22 de março de 2013, entre as 13h30 e as 16h30 (horário de início das atividades). No sábado, o credenciamento vai das 12h às 15h (horário de início das atividades).

Os interessados que não conseguiram confirmar sua inscrição e desejam acompanhar o evento devem comparecer no SESC Pinheiros antes do início das atividades, para aguardar na fila de espera. A partir do início da primeira atividade de cada dia, será verificada a disponibilidade de lugares e as eventuais ausências serão preenchidas com os presentes na fila de espera, por ordem de chegada.

Confira abaixo a programação do Seminário:

Etapa 2 – IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O Capital

22/03

16h30 | Debate Sobre os estudos d’O capital no Brasil

Com Emília Viotti da Costa (historiadora), Emir Sader (sociólogo), João Quartim de Moraes (filósofo), José Arthur Giannotti (filósofo) e Roberto Schwarz (crítico literário). Mediação de Sofia Manzano.

20h00 | Conferência internacional Os manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels

Com Michael Heinrich (MEGA, Alemanha). Mediação de Augusto Buonicore.

23/03

15h | Debate O marxismo brasileiro hoje

Com Antonio Carlos Mazzeo (cientista político), Marcelo Ridenti (sociólogo) e Marcos Del Roio (cientista político). Mediação de Alexandre Linares.

17h | Debate Crítica da economia política hoje

Com Francisco de Oliveira (sociólogo), Leda Paulani (economista), Paul Singer (economista) e Virgínia Fontes (historiadora). Mediação de Ruy Braga.

19h | Conferência internacional Lendo O capital

Com David Harvey (geógrafo, Reino Unido), apresentação de Gilberto Cunha Franca (geógrafo). Mediação de Marcio Pochmann (economista).

Durante o evento, serão lançados os livros Para entender O capital, de David Harvey, e O capital, de Karl Marx, 15º título da Coleção Marx Engels.

Marx: a criação destruidora no Rio de Janeiro

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Marx: a criação destruidora acaba de fechar a programação de dois debates no Rio de Janeiro! Confira a programação abaixo.

Marx, as crises e o capitalismo contemporâneo
ONDE: Salão Nobre do IFCS/UFRJ (Largo de São Francisco de Paula, nº 01, 2º andar)
QUANDO: 17 de abril de 2013, às 14h
Entrada gratuita. Não há necessidade de inscrição prévia.

Debate com Carlos Eduardo Martins, Marcelo Carcanholo, Marco Aurélio Santana e Virgínia Fontes.

REALIZAÇÃO | Boitempo Editorial, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e  Contra-Hegemonia (LEHC)

A teoria marxista como criação destruidora
ONDE: Salão Nobre do IFCS/UFRJ (Largo de São Francisco de Paula, nº 01, 2º andar)
QUANDO: 18 de abril de 2013, às 14h
Entrada gratuita. Não há necessidade de inscrição prévia.

Debate com  Luiz Eduardo Motta, Marildo Menegat e Mauro Iasi. Mediação de Carlos Eduardo Martins.

REALIZAÇÃO | Boitempo Editorial, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e  Contra-Hegemonia (LEHC)

Confirme presença no evento do Facebook!

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Inscrições para Etapa 2 | Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital

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MARX: A CRIAÇÃO DESTRUIDORA
ONDE: SESC Pinheiros (Rua Paes Leme, 195 – Pinheiros – Tel. 11 3095-9400)
ETAPA 2 – IV SEMINÁRIO MARGEM ESQUERDA: MARX E O CAPITAL
Valor simbólico de inscrição: R$10,00 (dez reais)
Período de inscrições [prorrogado]: de 11/03, às 11h até 18/03, às 12h

Estão abertas as inscrições para a Etapa 2 do projeto MARX: A Criação Destruidora em São Paulo.

Intitulada IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O Capital, tem como destaque as conferências do geógrafo britânico David Harvey, que lançará o livro Para entender O capital, e do cientista político alemão Michael Heinrich, integrante do projeto MEGA-2 (Marx-Engels-Gesamtausgabe), instituição detentora e curadora dos manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels, que participa do lançamento da edição especial, com tradução inédita, do livro I d’O capital, de Karl Marx, 15º título da Coleção Marx Engels.

A segunda etapa acontece nos dias 22 e 23 de março e contempla conferências e debates com alguns dos mais renomados especialistas em Marx, como Francisco de Oliveira (sociólogo), João Quartim de Moraes (filósofo), Emir Sader (sociólogo), José Arthur Giannotti (filósofo), Roberto Schwarz (crítico literário), Emília Viotti da Costa (historiadora), Leda Paulani (economista), Paul Singer (economista), Virgínia Fontes (historiadora), entre outros. Abrindo os debates teremos a mesa “Sobre os estudos d’O capital no Brasil”, no dia 22/03, seguida pela conferência internacional “Os manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels”, de Michael Heinrich, mediada por Augusto Buonicore. Os debates “O marxismo brasileiro hoje” e “Crítica da economia política hoje” acontecem no dia 23/03, seguidos pela conferência “Para ler O capital“, de David Harvey, mediada por Marcio Pochmann (economista), com a qual será encerrada a segunda etapa. Confira a programação completa clicando aqui.

INSCRIÇÕES

Para se inscrever, o interessado deve enviar um e-mail para marx@boitempoeditorial.com.br com NOME COMPLETO e CONTATO TELEFÔNICO (FIXO E/OU CELULAR). O assunto do e-mail deve ser “Inscrição Etapa 2”.

A produção entrará em contato em um prazo de até 48 horas, com instruções para depósito do valor simbólico de inscrição e envio do comprovante.

Importante: limite de uma inscrição por e-mail.

DÚVIDAS?

Entre em contato com a equipe de inscrições pelo e-mail marx@boitempoeditorial.com.br ou pelo telefone (11) 94135-7111.

Um coração maior que a vida: Slavoj Žižek, sobre Hugo Chávez

slavoj zizek_kim doriaPor Slavoj Žižek.*

Tradução de Anna Capovilla, publicado no jornal Estado de São Paulo de 10/03/2013.

Devo confessar que, muitas vezes, não gostei do que Hugo Chávez fazia, principalmente nos últimos anos do seu reinado. Não me refiro às ridículas acusações referentes à sua ditadura “totalitária” (às pessoas que afirmavam isto, aconselharia um ano ou dois numa ditadura de estilo stalinista!). De fato, ele fez muitas loucuras. Em matéria de política externa, não é possível perdoar-lhe a amizade com Lukaschenko e Ahmadinajad; em política econômica, a série de medidas improvisadas e mal formuladas que, em vez de resolver realmente os problemas, procuravam cobri-los de dinheiro para que não aparecessem; os maus tratos contra os prisioneiros políticos, a ponto de merecer uma reprimenda do próprio Noam Chomsky; até – no final – algumas medidas culturais ridículas como a proibição dos Simpsons na TV.

Mas tudo isto se torna insignificante diante do projeto fundamental com o qual se comprometera. Todos sabemos que, no capitalismo global dos nossos dias, com sua evolução espetacular, mas profundamente desigual, são cada vez mais numerosas as pessoas sistematicamente excluídas da participação ativa da vida social e política. O crescimento explosivo das favelas nas últimas décadas, principalmente nas megalópoles do Terceiro Mundo, das favelas da Cidade do México e de outras capitais da América Latina até a África (Lagos, Chade) à Índia, China, Filipinas e Indonésia, é talvez o acontecimento geopolítico crucial dos nossos tempos. Como, dentro em breve a população urbana da terra superará a população rural (ou, quem sabe, dada a imprecisão dos censos do Terceiro Mundo, já aconteceu), e como os habitantes das favelas serão a maioria nas populações urbanas, não temos condições de tratar com um fenômeno marginal.

Esses grupos enormes constituem evidentemente um dos objetos privilegiados da ajuda humanitária e das instituições assistenciais para as elites liberais – basta lembrar de imagens emblemáticas como a de Bill Gates abraçando uma criança indiana paralítica. Somos constantemente solicitados a deixar de lado as nossas divisões ideológicas e a fazer algo a respeito – quando vamos a uma loja da Starbucks para tomar uma xícara de café, sabemos que já estamos fazendo alguma coisa, porque uma parte do preço que pagamos vai para as crianças da Guatemala ou de outro país.

Mas Chávez via que isto não bastava. Ele via no horizonte os contornos de um novo apartheid. Ele via a luta de classes de outrora ressurgindo sob a forma de novas divisões e até mesmo divisões mais profundas. E ele fez alguma coisa a respeito. Ele foi o primeiro a não só “cuidar dos pobres”, no velho estilo peronista, falando por eles, mas a canalizar com determinação toda a sua energia no seu despertar e efetivamente na sua mobilização como agentes políticos ativos e autônomos. Ele viu claramente que, sem a sua inclusão, nossas sociedades caminharão paulatinamente para um estado de guerra civil permanente. Basta lembrar da frase imortal do filme Cidadão Kane, de Orson Welles, quando Kane, acusado de falar pelos desfavorecidos contra a sua própria classe, responde: “Se eu não defender os interesses dos não privilegiados, alguém mais o fará – talvez alguém sem dinheiro ou propriedades e isto será muito ruim”. Este “alguém mais” seria Chávez.

Portanto, enquanto ouvimos todo este palavreado a respeito do “legado ambíguo” de Chávez, do fato de ele ter “dividido a sua nação”, sempre que o expomos a uma crítica muitas vezes merecida, não devemos esquecer o sentido de tudo isto. Ele se referia ao povo, ao governo de, para e pelo povo. Toda a confusão foi uma confusão criada pela dificuldade de realizar este governo. Com toda a sua retórica teatral, Chávez foi sincero a esse respeito, ele queria dizer isto mesmo. Seus fracassos foram os nossos fracassos.

Ouvi dizer que existe uma doença do coração – como órgão – que vai crescendo excessivamente sem conseguir funcionar como deve, incapaz de bombear todo o sangue através das veias dilatadas. Talvez Chávez tenha morrido porque tinha um coração grande demais.

***

Slavoj Žižek no Brasil

Slavoj Žižek está no Brasil, a convite da Boitempo Editorial, para a realização de uma série de conferências no projeto Marx: A criação destruidora, assim como para o lançamento de Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo histórico.

Na próxima terça-feira, 12 de março, o filósofo se apresentará em Brasília, no Centro Comunitário da UnB, às 18h30. Para se inscrever, envie seu nome e telefone para zizek.df@laurocampos.org.br.

Na sexta-feira, 15 de março, o filósofo encerra seu ciclo de conferências em Recife, no evento ArtFlipo. A conferência será no Teatro da UFPE e conta com ingressos a R$20 (inteira) e R$10 (meia entrada), disponíveis para venda nas bilheterias do teatro ou através do site http://eventick.com.br/slavojzizek

Para mais informações sobre a programação, clique aqui.

Para mais informações sobre as inscrições dessas e outras atividades, clique aqui.

Crítica a um modo de produzir riqueza – José Arthur Giannotti, sobre O capital

ocapital_site_altaLeia a seguir um trecho de “Considerações Sobre o Método”, estudo de José Arthur Giannotti escrito para a nova edição de O Capital, de Karl Marx, cujo primeiro de três volumes chega às livrarias dia 21 em edição inédita da Boitempo Editorial.*

Em pré-venda na SaraivaLivraria Cultura e Livraria da Travessa.

O primeiro volume d’O Capital – Crítica da Economia Política foi publicado em 1867, na Alemanha. Embora seu autor, Karl Marx, já tivesse emigrado para Londres em 1850, ele continuava a manter profundas relações com os alemães e os líderes dos movimentos operários que participavam das políticas revolucionárias espalhadas por toda a Europa.

O Capital não foi escrito com intenções meramente teóricas, não pretendia elaborar uma nova visão dos acontecimentos econômicos nem aspirava a ser mais uma notável publicação do mercado editorial: o que a obra pretendia era criticar um modo de produção da riqueza essencialmente ancorado no mercado, isto é, na troca de produtos sob a forma mercantil. Como é possível que uma troca que equalize produtos possa sistematicamente produzir excedente econômico? Criar tanto riqueza como pobreza? Em sua análise, Marx pretende mostrar que esse excedente provém da diferença entre o valor da força de trabalho e o valor que o trabalhador cria ao pô-la em movimento. Espera, assim, provar cientificamente a especificidade da exploração do trabalho pelo capital, inserida num modo de produção que leva ao extremo o tradicional conflito de classes que marca toda a história. No limite, esse conflito não teria condições de ser superado?

No entanto, se o livro desde logo é arma política, não é por isso que foge dos padrões mais rigorosos que regem as publicações universitárias. O fato de nem sempre ter sido bem acolhido pelos pensadores acadêmicos não quer dizer que sua composição e seus passos analíticos deixem de seguir uma metodologia rigorosa e cuidadosamente traçada, buscando uma nova interpretação que pudesse pôr em xeque o pensamento estabelecido.

Essa intenção crítica já se evidencia no subtítulo da obra. A economia política foi o primeiro esboço daquela ciência que hoje conhecemos sob o nome de economia. Como veremos, haverá uma ruptura de paradigma entre essa forma antiga e a nova, que a disciplina assume no século 20. Tal ciência nasce estudando como se constrói e se mantém a riqueza das nações, como se desenvolvem o comércio, o crédito, o juro, o sistema bancário, o imposto, o Estado e assim por diante. Lembremos que o Estado, como formação política separada da totalidade da polis, somente se configura de modo pleno no Ocidente a partir do Renascimento. De certo modo, a economia política é a primeira forma de pensar as relações de produção, o metabolismo do homem com a natureza – retomando a linguagem favorita do jovem Marx – que as desliga de intervenções políticas diretas. Note-se que o Estado sempre esteve presente no desenvolvimento capitalista, mas o mercado, principalmente na sua fase adulta, recusa essa interferência acreditando ser mais eficaz do que qualquer intervenção pública.

Nos meados do século 19, observa o próprio Marx, a nova ciência se apresentava como um bom raciocínio formal: “A produção é a universalidade, a distribuição e a troca, a particularidade, e o consumo, a singularidade na qual o todo se unifica”. Encadeamento superficial, porque deixa de lado a história. Esse comentário aparece numa famosa introdução de 1857, que acompanharia o livro Contribuição à Crítica da Economia Política, o qual pretendia estudar à parte o método da nova ciência inspirando-se na lógica hegeliana, cujo debate estava aceso entre os alemães, mas deixou de ser publicado por causa de sua complexidade. Paradoxalmente, porém, se tornou um dos textos clássicos da dialética materialista. Somente veio à luz, de forma definitiva, na coletânea de escritos inéditos conhecida como Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie (Esboços da Crítica da Economia Política). Ao lê-lo, desde logo percebemos que Marx critica seus pares não apenas porque desenvolvem teorias incompatíveis com os dados empíricos, mas sobretudo porque aceitam uma visão errônea da natureza do próprio fenômeno econômico, tomando como real o que não passa de ilusão criada pelo próprio capital.

Vamos tentar mostrar os primeiros passos dessa crítica de natureza lógica e ontológica, que, por ser a mais radical, muitas vezes tem sido deixada de lado. Por sua complexidade, por certo exigirá do leitor um esforço suplementar.

II

O estudo da produção, distribuição, troca e consumo segue em geral as linhas de um raciocínio correto, mas deixa de lado a íntima conexão das atividades elencadas. Em particular ignora o lado histórico da produção, cuja forma varia ao longo do tempo conforme se moldam seus meios. Além do mais, se a estrutura das atividades econômicas depende de seu tempo, não é por isso que elas seguem uma evolução linear. Depois da quebra do comunismo primitivo, os sistemas produtivos se articularam em modos conforme se configurou a propriedade dos meios de produção. Somente no capitalismo todos os seus fatores assumem a forma de mercadoria, o que logo desafia o pensamento: como um sistema nessas condições, quando as partes são trocadas por seus valores, pode gerar um excedente econômico? A mercadoria não se confunde com um objeto de troca tribal, situação em que, por exemplo, um saco de alimentos não pode ser trocado por uma canoa, embora esta possa ser trocada por uma mulher. Nem se confunde com o escambo. Suas primeiras formas se encontram nas trocas regulares e por dinheiro entre comunidades separadas. Uma análise dos fenômenos econômicos deve capturar as diferentes formas dessas trocas de um ponto de vista histórico.

Ao dotar os conceitos de historicidade, Marx atenta para as diferentes vias de suas particularizações, assim como para as diversas maneiras pelas quais o universal e o particular se relacionam. “Se não há produção em geral, também não há igualmente produção universal. A produção é sempre um ramo particular da produção – por exemplo, agricultura, pecuária, manufatura, etc. – ou uma totalidade. Mas a economia política não é tecnologia.” Essa observação é muito importante para compreender o sentido da totalidade tal como é pensada por Marx. Já lembramos que uma das origens de seu pensamento foi a dialética do idealismo absoluto. É sintomático que durante a redação do primeiro volume d’O Capital ele tenha relido a Ciência da Lógica de Hegel. O vocabulário e a inspiração desse livro, que funde lógica e ontologia, provocam nos comentadores de Marx as maiores dores de cabeça e os maiores desatinos.

Para Hegel, um conceito geral, como mesa, não é apenas o que um olhar captura como propriedades comuns de várias mesas. Também não se particulariza somando determinações, propriedades predicáveis (mesa de escrever, mesa de comer…). O conceito fruta, por exemplo, não é o conjunto das propriedades inscritas em geral nas frutas. O conceito hegeliano já traz em si o princípio de sua diferenciação. Nada tem a ver com o freguês que, ao comprar frutas, recusa laranjas, peras e figos, porque não encontra em cada coisa a universalidade que as engloba.

Este exemplo – a relação entre o gênero da fruta e suas espécies – se assemelha à relação da produção em geral e suas particularizações. Os gêneros vivos passam a existir mobilizando duas forças contrapostas, o masculino e o feminino, que geram indivíduos igualmente polarizados. Não acontece o mesmo com a produção que se realiza na agricultura, na pecuária, na indústria, cada uma negando a outra de tal modo que se separam na medida em que conformam a unidade geral? Um modo de produção como um todo (produção, distribuição, troca e consumo) não tem suas partes ligadas por essa mesma negatividade produtora? E o mesmo não acontece com os diversos atos de produzir que se diferenciam desde que possam ser igualizados por um padrão tecnológico comum que se expressa no valor? Por sua vez, não forma uma estrutura dotada de temporalidade própria?

Mas se, ao criticar a economia política positiva, tal como se configurava até o século 19, Marx se inspira na dialética hegeliana, não é por isso que aceita mergulhar nos mares do idealismo. Seria muito estranho que um materialista pudesse acreditar que tudo o que é venha ser manifestação do Espírito Absoluto. Marx, que tinha formação de jurista, também passara pela crítica que os neo-hegelianos de esquerda haviam feito a seu mestre. O desafio era dar peso ao real quando a dialética tudo reduz ao discurso do Espírito.

III

No posfácio dos Grundrisse, Marx explicita sua concepção de concreto, o qual, insiste, seria a síntese de várias determinações, isto é, de propriedades atribuídas a algo posto como sujeito de predicações. Não é por isso que o real resultaria do pensamento como se brotasse do cérebro, mas é o pensar, por meio de suas representações, que isola na totalidade do real aspectos que essa própria totalidade diferenciou. O conceito deve, pois, nascer do próprio jogo do real acompanhado pelo olhar do cientista. A mais simples categoria econômica, o valor de troca, pressupõe a população, uma população produzindo em determinadas condições, e também certos tipos de famílias, comunidades ou Estados. O erro dos lógicos formais e dos economistas é duplo. Primeiro, fazer do valor de troca uma propriedade de um objeto trocável em qualquer situação histórica, deixando de diferenciar a troca de presentes entre certas etnias indígenas, a troca de indivíduos por dinheiro num mercado de escravos e assim por diante. Aqui cabe investigar como o valor de troca de cada um desses produtos está ligado ao todo do processo produtivo. É preciso, em contrapartida, sublinhar que somente no modo capitalista de produção todos os seus insumos estão sob a forma de mercadoria. Mas isso somente se torna possível, do ponto de vista da formação histórica, quando aparece no mercado uma força de trabalho desligada de qualquer outro vínculo social. No entanto, do ponto de vista formal, cada objeto conformado para ser mercadoria é posto em comparação com qualquer outro que venha ao mercado em busca de uma medida interna de trocabilidade. Numa situação de mercado, os valores de um escravo trazido de Angola e de outro trazido da China podem ser traduzidos na mesma moeda, mas todo o processo de capturá-los e transportá-los pressiona para que eles tenham medidas diferentes. Não é o que tende a acontecer num modo de produção em que todos os insumos provenham da forma da mercadoria.

Nesse sistema o valor de uso do produto fica bloqueado enquanto estiver no circuito das trocas, e seu valor de troca passa a ser expresso nos termos de qualquer outro produto que costuma aparecer no mercado. O valor de uso de um pé de alface que produzo para a venda precisa se exprimir numa certa quantidade de valor correspondente a cada um dos objetos que comparecem ao mercado. Todos os produtos se tornam, assim, comparáveis. Note-se que essa abstração que captura a determinação valor de troca é feita pelo próprio processo de troca – o pensamento apenas recolhe a distinção feita. Além do mais, esse valor, assim constituído, contradiz a existência do valor de uso no qual se assenta. O valor de troca depende do valor de uso, mas o nega, bloqueia seu exercício, coloca-o entre parênteses. Para chegar até o consumo, a fruta deixa de ser comida para se consumir como objeto de troca, objeto cuja produção foi financiada em vista de sua comercialização.

Para Marx, embora o concreto, o real oposto ao pensamento humano, se apresente como síntese de determinações, estas não são aspectos que os observadores encontrariam na realidade sensível para serem, em seguida, alinhavados numa coisa pensada. Por todos os lados assistimos a relações de troca, mas o cientista precisa levar em conta que essa relação depende de produtores que vivem e operam segundo certos costumes, nos quais os indivíduos, sempre socializados, estão ligados a famílias e a outras unidades sociais. Sabemos que antigamente as relações de troca mercantil apareciam entre as comunidades, quando essas relações sociais deixavam de operar. Somente no capitalismo é que elas fazem parte do sistema como um todo e se dão em sua pureza formal.

Ao introduzir a categoria de modo de produção, Marx rompe definitivamente com o paradigma seguido pelos economistas de sua época. Se a economia política pretendia estudar como se gera a riqueza social, acreditava-se que ela deveria começar estudando o ato produtivo mais simples, o ato de trabalho. Mas o homem é um ser eminentemente histórico e social, cada totalidade produtiva situa o ato de trabalho num lugar muito determinado. Esse é um princípio de que Marx não abre mão. Desse modo, imaginar que o processo produtivo pudesse se fundar no ato individual de trabalho equivale a considerar a atividade de Robinson Crusoé, isolado na sua ilha, como a matriz da produção de riqueza social. Mas o próprio Crusoé não trabalha segundo moldes que ele aprendeu na Inglaterra de seu tempo? Não podemos, pois, perder de vista que o ato de trabalho se integra na totalidade do processo produtivo segundo a trama das outras determinações primárias: distribuição, troca e consumo. A trama categorial define a totalidade do processo. Ademais, como veremos, nem todo ato de trabalho numa empresa vem a ser socialmente produtivo do ponto de vista da criação de valor.

* Publicado no caderno Sabático do jornal Estado de São Paulo hoje.

Acompanhe transmissão ao vivo da conferência de Slavoj Žižek em São Paulo!

Zizek_aovivohttps://apps.facebook.com/sescaovivo/

A conferência de Slavoj Žižek, assim como toda a programação do projeto MARX: A CRIAÇÃO DESTRUIDORA em São Paulo, está sendo gravada e será posteriormente publicada no canal da Boitempo no YouTube.

Vem aí! Žižek no SESC Pinheiros

Apostila_14x21_SÃO PAULO.inddAtividades abertas ao público com Žižek no SESC Pinheiros:
exibição de filme + conferência + sessão de autógrafos

A conferência do filósofo esloveno Slavoj Žižek será transmitida no telão da praça do Sesc Pinheiros e sessão de autógrafos será aberta ao público. No caso de ausências, as vagas remanescentes serão preenchidas no início da conferência.

Nesta sexta-feira, 08/03, às 20h, acontece a aguardada conferência do filósofo esloveno Slavoj Žižek no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros. A atividade também será transmitida por telão, aberto ao público, na praça do Sesc Pinheiros. Todas as pessoas presentes no local poderão participar da sessão de autógrafos após a conferência, que também será aberta ao público. No caso de ocorrerem ausências, as vagas da conferência serão preenchidas logo no início do evento, com os interessados presentes.

A primeira etapa do projeto MARX: a criação destruidora, que contempla o Curso de introdução à obra de Slavoj Žižek e a conferência do filósofo esloveno, também conta com a exibição do documentário longa-metragem ŽIŽEK! (71 min, dir. Astra Taylor, 2005) que será aberta ao público. A atividade é gratuita e acontece na sexta-feira, dia 08/03, às 14h. Os interessados devem retirar o ingresso com uma hora de antecedência na bilheteria do Sesc Pinheiros. A exibição do filme, assim como todas as etapas presenciais do evento, com exceção do curso de introdução à obra de Žižek, acontece no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros (com capacidade para 1000 pessoas).

Serviço

Slavoj Žižek em São Paulo

Conferência “De Hegel a Marx… e de volta a Hegel! A tradição dialética em tempos de crise”, com Slavoj Žižek
Dia 08/03 | sexta-feira | às 20h
SESC Pinheiros | Teatro Paulo Autran| Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo/SP
Atividade para inscritos. Ausências serão preenchidas no início do evento com interessados presentes.

Conferência no telão + autógrafos
Dia 08/03 | sexta-feira | às 20h
SESC Pinheiros | Praça do Sesc Pinheiros | Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo/SP
Atividades gratuitas e abertas ao público.

ŽIŽEK! (documentário, legendado, 71 minutos, Estados Unidos da América)
Direção: Astra Taylor
Dia 08/03 | sexta-feira | às 14h
SESC Pinheiros | Teatro Paulo Autran | Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo/SP
Classificação: 12 anos
Grátis – Retirada de ingresso na bilheteria do Sesc Pinheiros, uma hora antes do filme começar

Mais vagas para a conferência de Žižek em São Paulo

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Atenção! Conseguimos mais vagas para a conferência de Slavoj Žižek no projeto Marx: a criação destruidora, que acontecerá no dia 08/03, sexta-feira, no Sesc Pinheiros, às 20h.

Interessados em participar devem mandar e-mail para marx@boitempoeditorial.com.br com NOME COMPLETO E NÚMERO DO TELEFONE (FIXO E/OU CELULAR).

A produção do evento entrará em contato até a manhã de quinta-feira, 07/03, para instruir os interessados.

As novas vagas serão preenchidas por ordem de chegada do e-mail, seguida de sua confirmação.

Equipe Boitempo